terça-feira, 27 de julho de 2010

Regressiva

Respirou fundo. Agora vinha a parte desagradável. Parado, acompanhou com o olhar o cliente que saía fechar a porta do escritório atrás de si enquanto o ritmo do seu coração instabilizando no peito chamava sua atenção de forma irremediável para o sentimento que desatava a transbordar em suas veias. Quase conseguia enxergar o mundo entrando e saindo de foco acompanhando o pulsar do sangue através de seus próprios olhos. Ou seria só impressão? O tempo demora para passar quando nos sentimos inseguros - e de fato era o momento em que se sentia mais vulnerável e impotente, ao bater de frente com a ansiedade que brotava ao ler os nomes dos desconhecidos que ainda teria de entrevistar naquele resto de tarde para cumprir a agenda. O problema não era realizar o trabalho operacional de fazer perguntas e preencher os formulários. Mas a expectativa que antecedia o contato do seu mundo com o do outro, a incerteza do que entraria através daquela porta: quem de onde para onde com quais problemas querendo o quê, meu Deus, e para quê. Um sem-número de perguntas surgiam de modo incoordenado antes mesmo de ser possível formulá-las, e sabia que por trás de tudo isso existia algo mais profundo e mal resolvido. Falta de auto-confiança? Baixa auto-estima? Medo?
Após um longo suspiro, contou mentalmente quantos ainda faltavam ("Nove"). Se forçou a puxar o ar e, procurando soltar a voz da forma mais clara possível, exclamou:
- O próximo!

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Estrela Cadente

Quando teria se dado conta de que existia? Seja como for, quando isso ocorreu, já estava caindo através do vazio sem fim. Sentiu-se solitária e desamparada, imersa naquela escuridão tão intensa. Sua existência foi curta: pouco pôde ver além das luzes de outras estrelas, trama fina de delicados pontículos, aqui, ali e acolá.

Foi o suficiente, contudo, para que pudesse indagar-se: por que e para que existiria? Seu brilho frio nem de longe se comparava ao calor cheio de vida de um sol. Em um universo tão vasto, tão repleto de outros astros, que diferença faria? Desde o início sentiu quão curta seria sua vida e lamentou que tivesse de ser assim, tão efêmera e insignificante. Resignou-se então, sem entender, a essa breve passagem por este mundo. Viu pedaços diversos de seu corpo se desprenderem enquanto dava seu primeiro (e último!) suspiro e, sem chorar, continuou a cair, até não sentir mais nada.

Nunca chegou a saber, no entanto, quantos sonhos inspirou durante o segundo em que, desfazendo-se em poeira cósmica, iluminou a noite.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Reflexo

Fim de tarde, enquanto respirava ar limpo caminhando pelos paralelepípedos ainda molhados pela chuva que caíra. A liberdade é uma bênção. Os passos me conduziam enquanto a mente vagava por outros caminhos, sem realmente se esforçar para pensar, tateando só de leve as sensações que experimentara durante o dia. Empatia. Indiferença. Esperança. A realidade é só o que vivemos? A felicidade é sempre uma opção?

Vi então um rapaz sentado sozinho em um banco debaixo de um plátano, cabisbaixo e curvado com os cotovelos encostados nos joelhos. Estaria também pensando nas mazelas da vida? Quem sabe por onde estariam vagando seus pensamentos. Mas seja como for, a solidão nos fazia nesse momento, de certa forma semelhantes e companheiros. Era, afinal, uma alma solitária, como eu. Após passar por ele, não pude deixar de olhar para trás para ver melhor sua postura e, nisso, quem sabe, um pedaço de mim mesmo ali sentado.

Foi grande a decepção quando entendi que ele só estava debruçado sobre o celular digitando uma mensagem.