segunda-feira, 28 de setembro de 2009

e nada do que é humano me é estranho.

Às vezes sinto como se grande parte do que aprendo na faculdade é nomear e classificar (não sei como é nos outros cursos). É claro que existe aprendizado com relação a habilidades diversas e o horizonte se abre para coisas das quais nem suspeitava da existência, mas tenho a impressão de que grande parte do tempo passo sendo alfabetizado no jargão: este padrão de manchas caracteriza um exantema máculo-papular, aqui estão os critérios que definem uma sepse grave, um beta-lactâmico apresenta este anel em sua estrutura molecular, esta cirurgia é um Y-de-Roux. Não estou criticando o ensino, mas às vezes parece que sabemos muito sobre aspectos técnicos e fica faltando o conhecimento de aspectos fundamentais do ser humano - sonhos, motivações, comportamentos, reações - tanto em nível individual como coletivo. E isso fica como responsabilidade de cada um, como se fosse um pressuposto que, ao ingressar no curso, fôssemos humanos.
Ok, é claro que quando é preciso tomar uma conduta médica, existe um mínimo suficiente de humanidade que possibilita desempenhar o papel profissional como esperado - quilos de conhecimento sobre a vida e de alteridade não substituem o conhecimento técnico em situações que as demandam - não estou dizendo que este não é importante. Sem dúvida é ele a prioridade do curso. E é claro que as questões fundamentais da vida NÃO são ensinadas em salas de aula - isso seria feito, se possível (as aulas das disciplinas de humanização tentam, mas obviamente não conseguem). Não estou pedindo mais aulas para o assunto, não mesmo.
Mas é que não raro me pego olhando para os futuros médicos que me cercam (e, por que não, para mim mesmo) e me pergunto - Meu Deus, como é possível que pessoas que vão lidar com gente e problemas alheios durante a vida toda possam ser tão desajustadas e limitadas para entender a si mesmas e às outras? Tem muita gente que eu mandaria para o psicólogo (novamente me incluo). O pequeno tamanho do nosso crescimento como pessoas é que me incomoda. Provavelmente, no fim das contas, não importa se o nosso assunto de estudo de todos os dias são as pessoas e suas doenças: sabemos tão pouco sobre a vida e estamos tão perdidos nela como qualquer um.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Carta encontrada dentro de uma garrafa

"Não sei o quanto importa, na verdade, quando se gosta de alguém e essa pessoa não sabe disso. Para você, é claro, importa muito: é você que passa um tempão pensando nela enquanto faz um monte de coisas, como ficar zangado ou continuar seu trabalho. Fica se lembrando das coisas que a fazem ser uma pessoa bonita e da última demonstração de carinho que ela teve, tentando descobrir se em algum ponto ou momento algo em algum olhar denunciou qualquer coisa além de amor fraternal. E, é claro, pensa nas chances de um relacionamente realmente dar certo e se obriga a lembrar dos fatores que tornam isso pouco viável. Eventualmente se pergunta: ó Deus, ó vida, ó destino - por que as coisas têm que ser assim. Mas e se fosse recíproco? E se você tivesse um pouco mais de coragem? Você teria coragem? E com sua cabeça fazendo essencialmente esse percurso de pensamentos continua a cumprir suas obrigações e prossegue com o que tem de fazer, ocupando sua mente em um nível superficial com todas as coisas que precisam ser processadas em cada momento, ao mesmo tempo em que mantém, em um nível mais profundo, sua paixão pulsando em banho-maria. O tempo passa. Você o vê passar e se pergunta quando enfim vai conseguir pensar nisso e sorrir, sabendo que aquela foi mais uma que o tempo curou, página passada, para então seguir em frente. E acaba pensando nisso até com uma nostalgia antecipada, porque sabe que, agora, apesar de tudo, gostar dela é tão bom, e que quando tudo isso passar você nunca mais vai sentir da mesma maneira o que sente quando pensa nela, e isso é muito bobo e um pouco triste. Mas mais triste, eu acho, é que tudo isso só importa a você e a mais ning- "

(o resto tornou-se ilegível por causa da umidade)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sobre a gripe

Eu já estou meio farto de ouvir falar da gripe pra lá, do vírus pra cá, mas enfim.

- E aí, fulano? Semana passada você tava meio mal, né. Melhorou?
- Tô melhor, mas ainda meio abatido, com o nariz escorrendo. O problema é que pela duração dos sintomas NÃO é a gripe suína, o que quer dizer que ainda estou suscetível. Poxa velho, tava torcendo pra pegar logo e ficar imunizado...

(baseado em conversa real)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"Muito pouco ou quase nada"

De dentro do ônibus que sacolejava olhou de esguelha para o céu azul com nuvens fofas, sem conseguir depreender se iria ou não chover. Não tinha nenhum outro compromisso em especial que justificasse uma falta ao piquenique para o qual se dirigia. "Hum, mas sujeitinho antipático ele deve ser. Quem não gosta de um piquenique?", você pode pensar - mas este era um desses dias em que, se ele não sentisse que era sua obrigação ir, mostrar a cara e cumprimentar alguns velhos conhecidos, ficaria contente em se trancar em casa sem saber qual a cara do céu. Não que fosse sempre assim.
Passou o resto da viagem olhando pela janela sem realmente ver, ruminando se seria melhor se ele não sentisse culpa, porque então não se sentiria impelido a cumprir obrigações sociais frívolas. Se estas, por sua vez, não existissem, as pessoas poderiam fazer o que realmente gostariam e o mundo seria um lugar melhor. Por um momento, encarou seu reflexo no vidro da janela, que o olhava de volta com cara de acelga, e viu estampado em seu olhar: a reunião vai ser inútil e, sem dúvida, acrescentará muito pouco ou quase nada à sua vida.

No resto da tarde o tempo foi agradável e o grupo encontrou um bom lugar à sombra para ficar. Passaram o tempo sem seguir nenhuma programação específica, jogando conversa fora e falando sobre coisas que, em grande parte, não eram surpresa para ninguém. Papo furado, comes e bebes, algumas risadas. Como esperado.

Mas o fato é que, no trajeto de volta ele se pegou pensando: embora não tivesse aprendido grandes coisas nem atingido metas pré estabelecidas, a tarde havia valido a pena. Ele se sentia mais leve agora, e algumas pessoas sorriram quando passou por elas na rua.