terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Sísifo

O menino dobrava tsurus persistente e compulsivamente, todos os dias, sempre que podia. Jogava-os ao mar cada vez que completava um milhão, pedindo do fundo do coração por um desejo que lhe moldasse e desse sentido à vida. A angústia de viver sem saber para que vivia motivava as mãos ágeis, que dobravam o papel colorido de forma metódica e sistemática. Olhos fechados, coração no papel, o tempo escorria entre as montanhas e vales que moldavam cada asa, cada cauda, cada cabeça, formando os grous que se amontoavam entre os móveis do quarto onde morava. Eram sua reza, seu ritual, sua oração, dirigidas àquelas mãos invisíveis que, por sua vez, moldam o destino de todos os homens.

Até que um dia acordou, e já não era mais um menino. Descobriu que uma nova paixão ardia-lhe no peito, e este sonho para o qual agora despertava passou a consumir sua vigília, seu sono e seus sonhos. Descobriu então que perseguir um desejo trazia suas próprias angústias, e que viver com um anseio insatisfeito podia por vezes ser intolerável e desesperador. Mas esse sonho havia se tornado seu mundo e, ainda que não concretizado, de certa forma o preenchia. E, apegando-se à perspectiva de um dia conseguir preencher este vazio, preferindo a esperança de chegar à saciedade à certeza anterior, de um total vazio de sentido, prosseguiu seu caminho.

Foi assim que ele aprendeu a desejar e a buscar cada vez mais coisas, sendo que foram inúmeros os sonhos que nasceram e morreram. Em seus momentos de quietude, contudo, no silêncio de seu coração, era confrontado com uma verdade que não podia negar: havia trocado um vazio em favor de outro, e nessa brincadeira não podia dizer que havia um melhor. No fundo, nada valia realmente a pena. Ainda se empenhou para calar a incômoda voz que fazia tais afirmações. De fato ele desejou, perseguiu e conquistou coisas mais na tentativa de sufocá-la. Isso, porém, só confirmou o que já sabia: apenas trocara de ritual.

Para ele, a angústia de viver continua insuportável e persiste lá dentro a busca por significado e alívio. Por isso, de tempos em tempos ele volta para jogar seus sonhos ao mar.